Rubem Alves, renomado educador, costumava
dizer que existem escolas que são gaiolas e outras que são asas. “De frente para o elefante”, exibido
no Festival Internacional de Cinema do Rio desse ano, acompanha a trajetória do primeiro ano da Teddy McArdle Free School, justamente
uma escola que se pretende asas. Nela, todos os dias, seus poucos mais de 10
alunos, o diretor Christian e outros colaboradores decidem, através de
assembleias, o que querem e como querem fazer. Esse, talvez tenha sido o sonho de muitos de nós em fase escolar, afinal quem nunca se imaginou em uma
escola livre, em que a maior parte do tempo se parecesse mais com o recreio e
menos com a sala de aula?
A escola que a maioria das pessoas
conhece, ao menos no Ocidente, é de origem burguesa - século XIX - e firmada em
bases tradicionais. Ou seja, dentre as várias possibilidades, é bem mais fácil
encontrar uma escola com o poder hierárquico definido, carteiras enfileiradas,
um quadro negro ou branco na parede, alunos sentados e professor ministrando
suas aulas lá na frente. Temos ainda os deveres de casa, a chamada, exercícios
do livro didático e mais um monte coisas que certamente você e muitas pessoas
vivenciaram em sua trajetória escolar. Já de muito tempo, as bases da escola tradicional vêm
sendo questionadas. Nesse contexto, surgem movimentos baseados em pedagogas
alternativas a ela, com destaque para o movimento da Escola Nova, que ganhou força nas primeiras
décadas do século XX. Sua perspectiva central era de que uma vivência educativa
livre, formaria cidadãos mais solidários e capazes de lutar contra as
desigualdades.
É justamente essa a premissa da Teddy McArdle Free School, sediada em
Nova Jersey – EUA e acompanhada em seu primeiro ano pela diretora de cinema Amanda Rose
Wilder. Para tanto, ela opta por um formato clássico no cinema documentário, em
que participa como uma espécie de testemunha ocular dos processos ali vividos. A
fotografia acerta no preto e branco, fazendo certo contraste com o colorido de
um universo infantil em constante expansão. Entre os diversos alunos, a doce
Lucy antagoniza com o agressivo e esperto Jiovanni, evidenciando que mesmo em
universo com maior liberdade, há uma complexidade humana imensa.
Eu, como professora, confesso ter
ficado extasiada com as potencialidades apresentadas numa escola em que boa
parte das decisões se dão conjuntamente, através de assembleias. Tudo(ou quase) passa por todos,
da definição do que se irá aprender no dia, normas de condutas e diversas
outras decisões. Mas, se o filme nos seduz, inicialmente, com a possibilidade
quase ideal de se vivenciar a liberdade na escola, traz outras perspectivas
quando escancara as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos habitantes daquela
instituição. Algumas delas, muito comuns nas chamadas escolas tradicionais. Nesse
ponto, a montagem é extremamente feliz pois brinca justamente com a forma como
idealizamos os diversos processos de nossas vivências.
“De frente para o elefante” permite
o reconhecimento de que crianças são seres capazes de construir uma série de
sentidos e opiniões sobre o mundo e que sim, precisam ser reconhecidas enquanto
produtoras de saber. Outro ponto fundamental é o de nos provocar a pensar no
que de fato é a liberdade e em que medida a experiência democrática total é
possível.
Certa vez, li a definição de “escola”,
feita por uma menina de 5 anos de idade e que dizia o seguinte: escola é um lugar
com mesas e cadeiras chatas. Penso que a escola ideal é a que construímos
continuamente, num processo de reconhecimento da complexidade do outro e da liberdade
enquanto experimentação. Nesse caminho, pode haver lugar para muitas coisas
como: o quadro negro, as salas de aula sem paredes, os exercícios do livro, as brincadeiras, sonhos e outras possibilidades sem fim. Sempre que posso, imagino uma escola e também um mundo em que as coisas sejam um pouco menos chatas e
mais fáceis de se transformar! Esse exercício, é sem fim, assim como a a tão sonhada liberdade.